Recentemente eu estava no posto de saúde para tomar uma injeção para aliviar as dores de garganta e um irmão de ministério Batista que está passando por alguns momentos conturbados em sua igreja local, me escreveu pedindo que eu gravasse um audio respondendo algumas perguntas. Como eu estava com a garganta inflamada, enquanto eu aguardava o médico me chamar, decidi escrever uma resposta.
Perguntas Feitas
O que você pensa sobre autoridade pastoral? Explane o que pensa.
Ela é impositiva? Eu preciso dizer “sou pastor, me respeite”?
O que seria ser “dominadores” que Pedro advertiu?
A autoridade, conforme Pedro instrui, emana do pastor local? Emana do próprio Cristo?
Qual a autoridade do pastor local sobre o rebanho?
Em que esse pastor é responsável?
Um pastor é responsável direto pela vida dos irmãos? Ao ponto de “se não seguir o que eu digo, esse irmão torna-se rebelde por não se submeter a autoridade de seu pastor local”?
Texto Base
Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda coparticipante da glória que há de ser revelada: 2 pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; 3 nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. 4 Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória.
1Pedro 5.1–4, RA – Grifo do autor, pois nosso interesse está aqui.
Resposta
Não responderei cada pergunta, mas de maneira geral, levando em consideração que o âmago da questão está nessa possível ideia de “autoridade impositiva“, segue minha resposta:
Querido irmão, o conceito de presbítero regente está muito deturpado na igreja, principalmente no meio Batista.
De maneira simples, o presbítero tem a função de governar o rebanho de Cristo. Esse é um conceito que vem do Antigo Testamento na forma do Ancião, Sacerdote, Profeta e Rei.
Lembre-se que esses homens são recipientes da graça de Deus. Recebem dons para liderar o rebanho e também passaram pelo crivo de 1 Tm 3; Tt 1.5-9, etc. Estabelecidos pelos Apóstolos para pastorear a igreja.
Numa igreja séria, deveria ser levado em conta que esses homens não pastoreiam por “constrangimento ou por necessidade”, mas eles “almejam o episcopado” (1 Tm 3.1), e foram chamados por uma igreja local.
Com isso, se configura os critérios estabelecidos para uma ordenação legítima, ou seja, o chamado interno (sabem que Deus os chamou e almejam o episcopado) e o chamado externo (a igreja local reconheceu que Deus o capacitou para tal ofício e o chamou para tal). Esses foram os critérios estabelecidos pelos reformadores.
Agora, uma vez que se tornaram presbíteros do rebanho, 1 Pe 5.1-4 (leia o texto base na parte destacada acima) Pedro está exortando os presbíteros sobre as motivações e o modo correto de governar o rebanho de Cristo.
Paulo parece ter a mesma ideia de Pedro quando diz:
Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, 2 com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, 3 esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; 4 há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; 5 há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; 6 um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.
Ef 4.1–6, RA – grifo do autor.
Até aqui a primeira parte da estrutura da nossa conversa. A responsabilidade pastoral. A vocação para pastorear é real e vem de Deus, os presbíteros docentes e regentes devem governar o rebanho com moderação e intencionalidade. A igreja deve ratificar a importância deles.
Segundo texto base:
Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros.
Hebreus 13.17, RA – Grifo do autor
O autor de Hebreus exorta a igreja em como deve olhar para o ofício desses homens. A frase “como quem deve prestar contas”, deve trazer um peso de responsabilidade tanto pra quem lidera, quanto pra quem é liderado.
Esses homens que foram legitimamente ordenados, devem ser vistos como o próprio Cristo governando o rebanho, pois receberam do próprio Cristo os dons para edificação, exortação e consolo da igreja (1 Co 14.3). Logo, é o próprio Cristo que está exercendo o cuidado do rebanho pela instrumentalidade do oficial. Cristo é a cabeça, os oficiais fazem parte dos membros do corpo.
Me parece que o autor de Hebreus tem em mente as palavras do profeta Ezequiel ao mencionar uma possível prestação de contas, veja:
Quando eu disser ao perverso: Certamente, morrerás, e tu não o avisares e nada disseres para o advertir do seu mau caminho, para lhe salvar a vida, esse perverso morrerá na sua iniquidade, mas o seu sangue da tua mão o requererei.
Ez 3.18, RA – Grifo do autor.
Sendo assim, a possível controvérsia da autoridade pastoral está na ideia de que esses homens estão “acima do rebanho”, como se fosse uma pirâmide hierárquica. Dessa ideia surgem modelos de igreja de “Cobertura Espiritual“, onde há uma prestação de contas, inclusive de aspectos pessoais da vida da ovelha. Um desses modelos de igrejas no Brasil é o chamado MDA (Meu Discipulo Amado) que já foi combatido pela própria Convenção Batista. Mas, parece que a influência desses movimentos entraram nas igrejas mesmo que sem a intencionalidade ou o conhecimento dele. É o mundanismo entrando na igreja.
Veja o que Cristo disse sobre esse tema:
Mas Jesus, chamando-os para junto de si, disse-lhes: Sabeis que os que são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. 43 Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; 44 e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos. 45 Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.
Mc 10.42–45, RA – Grifo do autor.
Na verdade, os líderes devem ser vistos pela igreja como “ao lado” do rebanho. Pois em sua humanidade, também são miseráveis e beneficiários da graça de Deus como os demais. Também carecem de orações, encorajamento, ofertas para o desempenho do ofício e saúde.
Cada um tem sua função no corpo conforme Paulo fala em 1 Co 12.12-26. E todo o corpo com suas funções devem cooperar para o crescimento, edificação e cuidado da igreja. Não existe dons superiores nesse sentido, todos tem o mesmo propósito.
Agora, no aspecto do ministério, deveriam se portar/considerar como “abaixo” do rebanho. A ideia de servo apresentada por Cristo é a ideia de escravo, aquele que faz o serviço que ninguém deseja. Foi justamente o que Cristo fez e ensinou ao lavar os pés dos discípulos (Jo 13.1-11), e propriamente o que fez ao ensinar “…[que] não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate…“.
Sendo assim, a ideia de “como quem deve prestar contas” contida nos textos acima, é um processo de conduzir o rebanho para “a porta”.
É necessário que sejam estabelecido limites. Algumas vezes “puxam com o cajado”, exortam as ovelhas que estão saindo do rebanho ou do caminho, outras vezes ensinam por onde andar, outras vezes choram juntos a fim de consolar. Éssa foi justamente a essência da mensagem dos profetas no Antigo Testamento e que permanece no Novo Testamento (1 Co 14.3).
Resta a observarmos a instrução “obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles“, com isso recai na congregação a responsabilidade de como obediencia e submissão para com os líderes, mas até que ponto? Sobre isso falaremos abaixo.
Até aqui a segunda parte da estrutura da resposta. A igreja precisa reconhecer, responder bem e ter uma alto estima sobre seus líderes. Entretanto, Deus não quer apenas a motivação correta do coração, mas a praxes correta do líder e o dever e responsabilidade do liderado. A prestação de contas é para ambas as partes.
Terceiro Texto Base
“…Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens”.
At 5.29, RA.
Terceiro e último ponto, se o pastor estiver indo contra a Palavra, não deve ser obedecido. O princípio está na afirmação de Pedro.
Vale lembrar que, como não há unidade nas igrejas de hoje em dia por não serem confessionais, as igrejas ficam sem identidade e cada uma pensa de uma forma. Recomendo o livro que estou estudando O Imperativo Confessional de Carl R. Trueman – Editora Monergismo.
As vezes as igrejas são pastoreadas por um presbitério em que não existe unanimidade doutrinária em aspectos fundamentais (não digo sobre os aspectos secundários). Em outros momentos são pastoreadas por um homem só, a ideia de “Pastor Títular” onde “manda quem pode e obedece quem tem juízo“, esses homens estão “acima” do rebanho e sempre que são questionados tratam as ovelhas como rebeldes que não estão obedecendo a “autoridade instituída por Deus“. São governos chamados de episcopais e são questionáveis à luz da Palavra em igrejas congregacionais como sua igreja, ou em outros modelos como os presbiterianos.
Esse tipo de governo não tem base bíblica, porque em todas as vezes vimos que os apóstolos falando sobre o assunto, foi na ideia do estabelecimento de presbíteros nas igrejas, o ofício sempre está no plural e não no singular (pesquise). É um desleixo doutrinário.
Vejo isso no meio Batista, por exemplo. Uma igreja que perdeu sua identidade por abrir mão dos documentos que protegem o rebanho. A leitura recomendada, trás novamente a importância dos tais em nossos dias.
Sendo assim, acredito que seja possível pensar “fora da caixa” e discordar de assuntos em “como” os pastores estão lidando com a igreja, assuntos eclesiológicos. Nesse sentido somos livres para discordar e acredito que temos a opção de escolha.
Enfim, precisamos nos lembrar que temos a opção de escolher uma igreja para congregar, mas não temos a opção de não congregar em algum lugar “como é costume de alguns” (Hb 10.25).
Dizia um teólogo Luterano:
“In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.”
Nas coisas essenciais, a unidade; nas não essenciais, a liberdade; em todas as coisas, a caridade.
Peter Meiderlin
Resta você julgar a si mesmo sobre como tem visto esses homens em sua vida, quais as motivações que o levam a discordar. Também em como eles estão lidando com você nesse processo, se tem exercido com temor a vocação do ofício pela instrumentalidade do Bom Pastor.
Terminei um livro nessa semana chamado Os Conflitos no Lar e as Escolhas do Pacificador de Sande e Tom Raabe – Editora Nutra. E me lembro que no final, ao aconselhar o leitores em como saber lidar com as críticas, os autores nos lembram a ponderar pelo filtro da nossa miséria e condição decaída. Fomos justificados por Cristo na condição do pecado original, então sempre que formos criticados, precisamos treinar nosso coração para nos lembrar do que Cristo fez por nós “…sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8).
No final ele nos encoraja a não ficarmos tentando nos justificar a toda a custa, Cristo já fez isso no madeiro. Precisamos ser pacificadores em toda discordância e agradecidos pela misericórdia de Cristo.
Resumo
O autoritarismo é um pecado. A insubmissão também é um pecado. Promover facções e contendas na igreja é grave.
Existe liberdade para escolhermos onde congregar. Também existe a possibilidade de congregarmos onde a divergências em assuntos secundários.
Faça um bom uso dessa palavra. Fico à disposição!
Se você leu até aqui, deixe sua opinião ou comente: Leitura feita.
Muito obrigado.
Seu Conservo,
Rafael Soletti.
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