
A circuncisão separava os filhos dos crentes dos filhos dos incrédulos e os localizava sob as asas protetoras do pacto (Gn 17.10-12). Quando Deus estabeleceu seu pacto com Abraão, ele ordenou: “Esta é a minha aliança que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio, será isso por sinal de aliança entre mim e vós” (Gn 17.10-11). Deus não trabalha apenas com indivíduos, mas com famílias. Para “você e sua casa” é uma frase comum em ambos testamentos. No caso de Abraão , Deus estabeleceu um sinal pactual que fizesse separação entre os filhos de crentes e os filhos de incrédulos. Note que a circuncisão não apenas representava a separação, ela era a separação, Deus ordenou que os infantes (de oito dias) em Israel fossem circuncidados. Abraão creu em Deus e por isso foi justificado. Circuncidareis seu filho era uma atitude de fé na promessa de Deus. Por que será que Deus não esperou o filho de Abraão tivesse idade suficiente para fazer uma decisão por si mesmo? A resposta é simples: “Porque a salvação não é centrada no homem, mas em Deus”. O foco não é a nossa escolha, mas a escolha divina. Deus vem para nós e para nossos filhos em amor e graça e coloca sua marca de posse no povo do seu pacto. Para aqueles que argumentam que a pessoa precisa se arrepender e crer para depois ser batizada, podemos dizer que é assim para os adultos, pois Deus exigiu isso de Abraão para que fosse circuncidado, mas Deus não exigiu isso de Isaque. Isaque foi circuncidado porque era um filho do pacto. A fé que Abraão demonstrou era suficiente para que Isaque também recebesse a marca do pacto.
No Novo Testamento, p interesse de Deus pelas famílias continua. Quando Pedro pregou um sermão Evangelístico no templo após o dia de Pentecostes ele declarou; “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus chamar”. (At 2.39). É interessante que Pedro destaque a questão da promessa. Ele próprio identificou a promessa do derramamento do Espírito como de cumprindo naquele dia. Agora ele fala da promessa de Deus aos filhos em termos bem parecidos com aqueles que o próprio Deus usou ao estabelecer a Aliança com Abraão. A orientação aqui não está no fato de que Deus espera que nossos filhos queiram ter um compromisso com ele, mas no fato de que é ele quem os chama. O Apóstolo Paulo assegura-nos que um pai crente pode santificar um filho mesmo que o outro cônjuge seja incrédulo, pois como ele mesmo diz: “Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos” (1Co 7.14). Por que Paulo usa a mesma distinção veterotestamentária de “puro” e “impuro” para os filhos, se não há diferença entre os filhos de crentes e os filhos de incrédulos? Porque certamente existe uma distinção. Não se pode negar que todos, para que sejam salvos, precisam crer em Jesus, porém, é um grande erro tratar de forma igual um filho de crente e um filho do mundo, pois a Bíblia demonstra que há diferença entre eles, e há uma marca que torna essa distinção clara, essa marca é o batismo. A marca da Aliança é a própria distinção
A igreja Primitiva seguiu fielmente esta orientação Bíblica. Os mais antigos documentos pós-apostólicos demonstram uma imutável prática do batismo infantil. O que isso significa? Significa que os Apóstolos batizavam crianças. E o fato de não haver nenhuma indicação do Novo Testamento de quem deve ser batizado pesa ainda mais a favor do batismo infantil, pois, então, permanece a base do Antigo Testamento. Para aqueles que argumentam que o silêncio do Novo Testamento a respeito das crianças impossibilita que elas sejam batizadas, teríamos que dizer que, se fosse assim, então, as mulheres não poderiam participar da Ceia, pois o Novo Testamento não as autoriza explicitamente. Mas todos entendem por implicação, que a mulher deve participar, e é esse mesmo entendimento que leva os reformados a defender o batismo das criança. No Antigo Testamento as crianças recebiam o sinal da Aliança com oito dias (Gn 17.12). Se no Antigo Testamento, os pais não esperavam as crianças crescerem para decidirem por si mesmas se queriam a marca da Aliança, por que deveríamos esperar hoje?
É preciso que fique claro, portanto, que a base para batizar as crianças é a doutrina do Pacto da Graça. Se os pais fazem parte do pacto, então os filhos também fazem. Porém, isso não significa que estão automaticamente salvos. Não somos salvos por nascimento, somos salvos por fé. Deus não prometeu que cada filho de pais crentes será salvo, antes tem prometido perpetuar sua obra de graça na descendência dos crentes (Ver Gn 17.7; Sl 103.17-18; 105.6-11; Is 59.21; At 2.39). Sobre essa base os pais crentes devem batizar seus filhos, confiando que Deus desenvolverá sua obra pactual com eles, enquanto eles próprios esforçam-se por ensinar a criança no caminho certo para que não se desvie quando adulta (Pv 22.6). Quanto ao argumento que seria inútil batizar as crianças sem ter certeza de que serão salvas, podemos contra argumentar que não temos certeza se todos os adultos que se batizam são realmente salvos. O batismo dos adultos também não garante a salvação. Mas é uma atitude de fé consagrar os filhos ao Senhor e administrar sobre eles o símbolo da Aliança. Ao contrário de desagradar a Deus, essa prática somente o agradaria, pois ele próprio exigiu essa atitude de fé no fato de Abraão circuncidar seu filho Isaque. O batismo das crianças que são filhas de pais crentes simboliza a realidade de que elas são separadas aos olhos de Deus. Neste batismo, pais que vivem na Aliança se comprometem a criar seus filhos conforme a Palavra do Senhor. Por outro lado, como diz Calvino, “devemos temer sempre o perigo que nos ameaça, se desprezarmos o privilégio de assinalar os nossos filhos com o selo da Aliança, de que o Senhor nos castigue por termos renunciado à benção que nos é oferecida no Batismo (Gn 17.14).
Ainda que o Novo Testamento não diga explicitamente que as crianças devam ser batizadas, há relatos de várias “casas” que receberam o batismo através dos Apóstolos. Por exemplo, Lídia e toda a sua casa (At 16.15), bem como o carcereiro e todos os seus (At 16.33; Ver ainda At 18.8 ). É verdade que os textos não dizem explicitamente que havia crianças nas casas, mas negar essa possibilidade é uma presunção que se aproxima muito do preconceito.

Leandro Lima é bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano José Manoel da Conceição – SP (1999). Mestre em Teologia e História pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper – SP (2003). Mestre em Ciências da Religião pelo Mackenzie – SP (2010). Doutor em Letras – Literatura pela Universidade Mackenzie, com tese sobre o livro de Apocalipse. Professor residente do CPAJ, atuando em Novo Testamento e Teologia Sistemática. Dentre vários livros e artigos, autor de: Razão da Esperança – Teologia para hoje (2006, Editora Cultura Cristã). As Grandes Doutrinas da Graça (10 volumes pela Editora Odisseu, 2007-2012). Brilhe a sua luz: o cristão e os dilemas da sociedade atual (2009, Cultura Cristã). O Futuro do Calvinismo: os desafios e oportunidades da pós-modernidade para a Igreja Reformada (Cultura Cristã, 2010). Autor de uma ficção intitulada Olam (Crônicas de Luz e Sombras 2012 – Crônicas do Mundo e do Submundo 2014). Pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro – SP. Professor de Teologia Sistemática no Seminário JMC. Casado com Vivian e pai do Vicktor Daniel.